Para quem nasceu na década de 1970 para cá, videogames têm sido uma parte relativamente corriqueira de suas vidas, de uma forma ou de outra.
Seja por meio de fliperamas, consoles, portáteis ou celulares, jogos eletrônicos têm sido uma forma de distração e diversão para centenas de milhões de pessoas no mundo, em muitos casos de relativo fácil acesso.
Ainda assim, há pouco mais de 60 anos atrás, quando a maioria dos computadores era do tamanho de uma sala, jogos interativos eletrônicos eram sonhos digno de ficção científica, enquanto cientistas procuravam entender e avançar cada vez mais as tecnologias de computação.
Alguns destes cientistas, em particular, estudavam como estas máquinas poderiam funcionar como formas de entretenimento, e entre eles estava o físico William “Willy” Higinbotham.
De bombas atômicas a tênis virtual
Nascido em 1910, Higinbotham possuía um currículo invejável: nos anos 40, trabalhou no Laboratório de Los Alamos, sendo líder de grupo da divisão de eletrônicos do Projeto Manhattan, colaborando com J. Robert Oppenheimer na criação da bomba atômica.
“Ele era um homem carismático”, disse Higinbotham. “Pessoas ou o idolatravam ou o detestavam. Eu não fazia nenhum dos dois. Mas, ele era um homem brilhante. Não há dúvidas disso.”
Durante seu tempo no Projeto, Higinbotham foi responsável pela criação dos circuitos de contagem regressiva da bomba, que definiam sua detonação em termos de milissegundos.
Como outros membros do Projeto Manhattan, ele presenciou a detonação da primeira bomba atômica em Los Alamos, um evento que redefiniu seus objetivos de vida.
Depois da destruição de Hiroshima e Nagasaki, que marcou o fim da Segunda Guerra, ele e outros cientistas do Projeto Manhattan formaram a Federação de Cientistas Americanos, criada para evitar a proliferação de armas atômicas pelo mundo, e em defesa ao uso consciente da tecnologia nuclear.
Ah, e além disso ele é popularmente conhecido como o inventor do videogame.
Um pouco de contexto: em 1958, Higinbotham trabalhava no Laboratório Nacional de Brookhaven, em Nova York. Todos os anos, o governo organizava uma exibição ao público, o que em geral significava ficar olhando para máquinas gigantes e estáticas.
Tentando encontrar uma forma de deixar a exibição menos chata, o cientista descobriu via um manual que um computador no laboratório era capaz de calcular a trajetória de um míssil. Reprogramando a máquina, ele conseguiu criar um jogo de tênis virtual no osciloscópio do aparelho.
Assim, “Tennis for Two”, como o projeto acabou sendo conhecido, serviu para capturar a imaginação das pessoas que visitaram o laboratório, em especial com o público adolescente, que nunca havia visto algo parecido.
A atração foi tão popular que voltou a ser demonstrada em 1959, agora com uma tela de 17 polegadas para mostrar a partida mais claramente.
“Sabíamos que era algo divertido, e vimos potencial na época, mas não era nada de interesse do governo” disse, décadas depois, para a revista Creative Computing. “O que acabou sendo bom. Hoje todos os designers de games teriam que licenciar os jogos pelo governo federal!”
Graças a esta criação, Willy Higinbotham é popularmente conhecido como o “avô dos videogames”, o que é certamente verdade…
… Dependendo da sua perspectiva.
Contrapontos
Como é o caso de muitas invenções, a questão de quem criou o videogame tem sua própria parcela de controvérsia, com vários possíveis candidatos e definições diferentes.
Willy Higinbotham criou “Tennis for Two” em 1958, mas ele não foi nem de longe o primeiro a pensar em como usar computadores para entretenimento. Em 1947, Thomas T. Goldsmith e Estle Ray Mann patentearam o “dispositivo de entretenimento por tubo de raios catódicos”, que apesar de não utilizar um computador é visto como um predecessor do videogame moderno.
Três anos depois, o canadense Josef Kates criou “Bertie the Brain”, um computador capaz de jogar partidas de jogo da velha com pessoas – sendo possível até programar diferentes dificuldades. Embora seja visto por alguns como o primeiro videogame, “Bertie” usava lâmpadas ao invés de um display digital.
Em 1952, Alexander “Sandy” Douglas criou “OXO”, um programa de jogo da velha para o computador EDSAC que reproduzia imagens por uma tela eletrônica. Ao contrário de “Tennis for Two”, porém, “OXO” não foi propriamente criado para o divertimento do público, e mais para mostrar o poder de processamento da máquina
Estes, entre vários outros candidatos, podem ser considerados o primeiro videogame por certa definição.
Além disso, há também a questão de influência: de 1959 até a década de 70, poucos ouviram falar de “Tennis for Two”, e o jogo não teve o impacto na mente de futuros designers como “Spacewar!”, de 1962.
O maior ponto em favor de “Tennis for Two” é seu reconhecimento um tanto tardio: durante uma série de processos entre a Magnavox e o inventor do Odyssey – e popularmente considerado como o “pai do videogame” -, Ralph Baer, Higinbothan fez depoimentos sobre seu projeto, e ganhou ainda mais atenção nos anos 80 com artigos como o da Creative Computing.
Seja fonte de discussão ou não, o título de “avô do videogame” sempre foi uma preocupação secundária para Willy, que preferiu focar sua atenção em formas de impedir a proliferação de armas nucleares no planeta, causa que defendeu avidamente até sua morte por enfisema em 1994.
Ainda assim, é graças aos esforços de cientistas como Higinbotham, Kates, Douglas e Baer que videogames existem e podem ser apreciados por milhões de pessoas, e cada um merece ao menos um pouco de reconhecimento por suas contribuições para esta mídia.
Source: UOL GAMES